Por Dr. Guilherme de Carvalho, sócio-diretor da G. Carvalho Advogados – Escritório do Brasil Profundo, advogado sênior especializado em contratos bancários agrícolas e em agronegócio, com presença nacional em prol do setor agrícola.
Introdução
O financiamento rural, especialmente os contratos de custeio, é uma ferramenta crucial para a viabilização da atividade agrícola no Brasil. Esses contratos permitem que produtores adquiram insumos, fertilizantes, sementes e cubram os custos da mão de obra necessária para a produção. No entanto, a complexidade desses contratos, associada ao uso de termos técnicos e cláusulas específicas, muitas vezes resulta em cobranças indevidas ou abusivas por parte das instituições financeiras.
Este artigo tem como objetivo esclarecer quais são as cobranças legítimas que podem estar presentes em um contrato de custeio rural, explorando em profundidade o papel do Custo Efetivo Total (CET), os juros, taxas administrativas e outros encargos aplicáveis. Também discutiremos formas de identificar práticas abusivas, com foco na proteção dos direitos dos produtores rurais.
1. Entendendo o Contrato de Custeio Rural
Os contratos de custeio rural são regulados principalmente pelo Decreto-Lei nº 167/1967, que trata das cédulas de crédito rural. Este tipo de contrato permite ao produtor rural financiar os custos diretamente associados à sua produção, como compra de sementes, fertilizantes, defensivos agrícolas e contratação de mão de obra.
Um ponto fundamental a ser compreendido é que os contratos de custeio rural têm características distintas dos demais tipos de contratos bancários. Eles são voltados para atender as especificidades do ciclo produtivo agrícola, permitindo prazos ajustáveis de acordo com as safras e outras condições naturais.
1.1 Características do Contrato de Custeio Rural
- Finalidade Específica: O objetivo do contrato de custeio rural é financiar os custos necessários para a produção agrícola. Isso o diferencia de outras modalidades de crédito que podem ter um fim genérico, como crédito pessoal ou empresarial.
- Subsídio Governamental: Em muitos casos, esses contratos têm taxas de juros subsidiadas pelo governo, através do Plano Safra, com o intuito de incentivar a produção e garantir a segurança alimentar no país.
- Garantias: Frequentemente, os contratos exigem garantias reais, como a hipoteca de imóveis rurais ou penhor de safras. Essas garantias são fundamentais para que o crédito seja concedido, mas é importante que os produtores tenham clareza sobre o que está sendo oferecido como garantia.
2. Componentes que Podem Ser Cobrados no Contrato de Custeio Rural
Os componentes que podem ser cobrados em um contrato de custeio rural estão divididos entre aqueles considerados legítimos e as cobranças abusivas, que precisam ser contestadas para evitar onerosidade excessiva. Vamos explorar cada um dos componentes permitidos e entender como eles devem ser aplicados.
2.1 Juros Remuneratórios
Os juros remuneratórios representam a remuneração da instituição financeira pelo capital emprestado ao produtor. Em contratos de custeio rural, esses juros costumam ser subsidiados pelo governo, oferecendo condições mais favoráveis do que as taxas praticadas no mercado de crédito comum.
2.1.1 Limite Legal dos Juros
Os contratos de custeio rural, especialmente aqueles subsidiados, têm seus juros limitados por resoluções do Banco Central e pelo Conselho Monetário Nacional. Essas limitações são essenciais para que o produtor não seja sobrecarregado por taxas abusivas.
- Controle pelo Banco Central: O Banco Central determina um teto para os juros em cada ciclo do Plano Safra, que geralmente é ajustado anualmente. Se os juros ultrapassarem esse limite, é possível solicitar uma revisão judicial do contrato.
2.1.2 Cobrança de Juros Abusivos
A cobrança de juros abusivos é uma prática que infelizmente ainda ocorre em contratos de custeio rural. Essa prática está em desacordo com o Código de Defesa do Consumidor, especialmente em relação ao princípio da boa-fé objetiva. Quando o produtor se depara com juros que destoam do praticado ou do estabelecido pelo contrato, ele deve buscar uma análise criteriosa e, se necessário, a intervenção judicial para anular essa cobrança excessiva.
2.2 Taxas Administrativas e Encargos
Além dos juros, as instituições financeiras costumam cobrar taxas administrativas para cobrir os custos operacionais do financiamento. Vamos explorar algumas das taxas mais comuns que aparecem em contratos de custeio rural.
2.2.1 Taxa de Abertura de Crédito (TAC)
A Taxa de Abertura de Crédito (TAC) é uma das cobranças mais recorrentes nos contratos de crédito, inclusive nos contratos de custeio rural. Ela visa remunerar o banco pela análise de crédito e formalização do contrato. No entanto, existem algumas limitações para essa cobrança:
- Justificativa e Transparência: A TAC só pode ser cobrada se estiver claramente detalhada e justificada no contrato. A jurisprudência tem sido clara em anular a cobrança da TAC quando o valor não é devidamente informado ou quando não há uma justificativa proporcional.
2.2.2 Taxa de Avaliação de Garantias
Nos contratos em que há a exigência de garantias reais, como hipoteca de propriedades rurais, é comum que seja cobrada uma taxa de avaliação do bem oferecido em garantia. Esse valor deve ser razoável e compatível com os custos reais da avaliação.
- Legalidade da Cobrança: Embora a taxa de avaliação de garantias seja permitida, ela deve ser baseada em critérios objetivos. A cobrança de valores superiores ao custo da avaliação pode ser considerada abusiva e questionada judicialmente.
2.3 Seguro e Garantias Adicionais
Em contratos de custeio rural, a inclusão de seguros, como seguro agrícola ou seguro de vida, é comum e, muitas vezes, obrigatória. No entanto, existem práticas abusivas que precisam ser observadas pelos produtores.
2.3.1 Seguro Agrícola
O seguro agrícola é essencial para proteger o produtor contra eventos climáticos adversos que possam afetar a produção. A contratação desse seguro deve ser feita de forma clara e os seus custos precisam ser discriminados no contrato.
- Proibição da Venda Casada: A obrigatoriedade de contratar um seguro específico, especialmente quando este é oferecido pelo próprio banco, é considerada venda casada e é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor. Caso o produtor sinta que foi coagido a contratar um seguro específico, ele pode buscar a revisão desse contrato.
2.3.2 Garantias Reais e Pessoais
Os contratos de custeio rural muitas vezes exigem garantias reais, como a hipoteca de imóveis rurais, e garantias pessoais, como o aval. O produtor deve entender claramente as consequências dessas garantias em caso de inadimplência e ter consciência do risco de perda de patrimônio.
3. Custo Efetivo Total (CET): Transparência e Legalidade
O Custo Efetivo Total (CET) é um dos elementos mais importantes a serem observados em qualquer contrato de crédito, incluindo os contratos de custeio rural. Ele representa a soma de todos os encargos cobrados no contrato, oferecendo uma visão clara e transparente do custo real do financiamento para o produtor.
3.1 O Que é o CET e Como Deve Ser Informado?
O Custo Efetivo Total inclui os juros, tarifas, seguros e quaisquer outros encargos cobrados pela instituição financeira, sendo o indicador mais completo do custo do crédito. Ele deve ser claramente informado pela instituição financeira no momento da contratação, para que o produtor possa compreender todos os custos envolvidos.
3.1.1 Transparência Obrigatória
De acordo com a Resolução nº 3.517/2007 do Banco Central, as instituições financeiras têm a obrigação de informar o CET de maneira clara e destacada. Isso significa que o CET deve estar expresso no contrato de forma que o produtor possa entender quanto, de fato, pagará pelo crédito.
- Discriminação dos Custos: Todos os custos incluídos no CET devem ser discriminados no contrato, permitindo que o produtor saiba exatamente quais taxas estão sendo cobradas e por quê. Isso inclui seguros, taxas de avaliação, tarifas administrativas, entre outros.
3.2 Como Utilizar o CET para Comparar Ofertas de Crédito?
O CET é a melhor ferramenta para comparar diferentes ofertas de crédito rural, pois ele engloba todos os custos associados ao contrato. O produtor deve sempre solicitar o CET de cada proposta que receber, permitindo que ele escolha a opção que realmente oferece o melhor custo-benefício.
- Comparação entre Instituições: Se duas instituições oferecem taxas de juros semelhantes, mas uma delas apresenta um CET significativamente maior, isso indica que existem taxas ou encargos adicionais escondidos que devem ser analisados com cautela.
3.3 CET e Práticas Abusivas
Infelizmente, nem sempre as instituições financeiras são transparentes quanto ao CET, e isso pode resultar em práticas abusivas que oneram excessivamente o produtor.
3.3.1 Omissão ou Informação Incorreta do CET
A omissão do CET ou a informação incorreta sobre seu valor são práticas que podem ser questionadas judicialmente. Caso o produtor descubra que o valor efetivo do financiamento está diferente do informado inicialmente, ele pode solicitar a revisão do contrato e a devolução dos valores cobrados indevidamente, com base no Código de Defesa do Consumidor e em precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
- Precedente Judicial: A jurisprudência já reconheceu a falha na transparência do CET como motivo para revisão contratual e aplicação de sanções às instituições financeiras, como decidido no REsp nº 1.639.320/SP.
4. Encargos Moratórios e Multas por Inadimplência
Os encargos moratórios são valores cobrados quando ocorre o atraso no pagamento das parcelas. Eles incluem juros de mora e multas, e precisam respeitar os limites legais.
4.1 Juros de Mora e Multas
Os juros de mora são cobrados pelo atraso no pagamento e, conforme o Código de Defesa do Consumidor, devem ser limitados a 1% ao mês. Já a multa por inadimplência deve respeitar o limite de 2% sobre o valor da parcela em atraso.
- Cobrança Abusiva: Qualquer valor superior ao estipulado por lei é considerado abusivo e pode ser contestado pelo produtor. Em caso de cobrança indevida, o produtor tem direito à devolução dos valores pagos a mais, em dobro, conforme o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor.
5. Como Identificar Cobranças Indevidas em Contratos de Custeio Rural?
Identificar cobranças indevidas é um dos principais desafios enfrentados pelos produtores rurais ao lidarem com contratos de custeio. Abaixo, apresentamos algumas formas de identificar possíveis abusos.
5.1 Análise Minuciosa do Contrato
A leitura detalhada do contrato é fundamental. Todos os encargos, juros, taxas e seguros devem estar claramente discriminados, e o valor total a ser pago deve estar coerente com o CET informado. Qualquer cláusula que não esteja clara ou que pareça injusta deve ser questionada antes da assinatura.
- Cláusulas Abusivas: Cláusulas que permitem ao banco modificar unilateralmente os juros, taxas ou qualquer outro termo do contrato são consideradas abusivas. A Súmula 297 do STJ garante que contratos bancários são passíveis de revisão, especialmente quando se verifica a presença de cláusulas abusivas.
5.2 Discrepância entre o CET e os Valores Cobrados
O CET deve ser um valor fechado que englobe todos os custos do contrato. Caso o valor das parcelas ou dos encargos pagos seja maior do que o estipulado pelo CET, é provável que estejam sendo cobrados valores não autorizados.
- Comparação Periódica: Comparar o CET com o valor das parcelas e dos encargos cobrados ao longo do tempo pode revelar práticas abusivas. Se o produtor perceber que o valor está aumentando sem justificativa, deve procurar assistência jurídica.
5.3 Consulta a um Advogado Especializado
A consulta a um advogado especializado em contratos bancários agrícolas é uma das melhores formas de proteger seus direitos. O advogado pode analisar as cláusulas do contrato, verificar a legalidade das cobranças e orientar o produtor sobre como proceder para solicitar a revisão ou o cancelamento de cláusulas abusivas.
6. Revisão Judicial dos Contratos de Custeio Rural
Caso o produtor identifique cobranças abusivas ou indevidas, ele pode buscar a revisão judicial do contrato. A revisão contratual pode ser solicitada com base na teoria da onerosidade excessiva e nos princípios de proteção ao consumidor.
6.1 Fundamentação Jurídica
A teoria da onerosidade excessiva, prevista no artigo 478 do Código Civil, permite que contratos sejam revisados ou até mesmo rescindidos quando eventos supervenientes tornam a execução do contrato excessivamente onerosa para uma das partes. No caso dos contratos de custeio rural, isso pode ocorrer devido a variações nas taxas de juros ou à imposição de taxas não previstas inicialmente.
6.2 Precedentes Judiciais Importantes
A jurisprudência brasileira é clara quanto ao direito dos produtores rurais de revisar contratos que contenham cláusulas abusivas. O STJ, em diversos julgados, já garantiu a revisão de contratos bancários, especialmente em casos onde há desrespeito ao princípio da boa-fé e transparência.
- Exemplo de Caso: No REsp nº 1.639.320/SP, o STJ decidiu a favor de um produtor rural que questionou a cobrança de taxas não informadas claramente no contrato, determinando a devolução dos valores pagos em excesso e a revisão das cláusulas contratuais.
7. Conclusão: Como Proteger Seus Direitos em Contratos de Custeio Rural
O contrato de custeio rural é uma ferramenta essencial para viabilizar a produção agrícola, mas a complexidade de suas cláusulas e a quantidade de encargos envolvidos exigem que o produtor esteja atento a todos os detalhes. Entender o que pode ser cobrado — e como deve ser cobrado — é fundamental para evitar surpresas desagradáveis e garantir que o crédito contratado seja vantajoso.
Para evitar práticas abusivas, os produtores devem:
- Exigir a discriminação clara de todas as taxas e encargos.
- Comparar o CET de diferentes ofertas de crédito, para escolher a opção mais vantajosa.
- Consultar um advogado especializado antes de assinar o contrato, especialmente em casos de grandes valores ou garantias envolvidas.
Se você está enfrentando dificuldades com seu contrato de custeio rural ou acredita que existem cobranças abusivas, entre em contato com nossa equipe da G. Carvalho Advogados. Somos especializados em contratos bancários agrícolas e estamos prontos para ajudar a proteger seus direitos e garantir que seu patrimônio esteja seguro.
Por Dr. Guilherme de Carvalho, sócio-diretor da G. Carvalho Advogados – Escritório do Brasil Profundo, advogado sênior especializado em contratos bancários agrícolas e em agronegócio, com presença nacional em prol do setor agrícola.