No exercício da advocacia, é imprescindível que os profissionais não apenas defendam seus clientes em tribunais, mas também mantenham uma conduta ética irrepreensível, sujeita ao controle da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Quando surgem infrações éticas, a OAB tem a prerrogativa de aplicar sanções aos advogados, e uma das penalidades mais comuns é a censura. No entanto, nem sempre essas sanções são aplicadas de maneira correta, o que pode resultar em injustiças, especialmente quando a reincidência é utilizada de maneira indevida.
O escritório G. Carvalho Advocacia Criminal apresentou recentemente um recurso robusto em um processo disciplinar no qual a OAB aplicou uma pena de censura, alegando reincidência sem comprovar a existência de processos anteriores transitados em julgado. Esse recurso não apenas visava corrigir a decisão, mas também defender os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
O mesmo zelo que se exige na aplicação correta da reincidência no campo ético-profissional dos advogados também se aplica à esfera criminal, onde a observância das garantias processuais é crucial para evitar decisões injustas e desproporcionais. Aqui, abordaremos como a reincidência e as demais questões de direito penal devem ser aplicadas com precisão, tanto no âmbito da OAB quanto na justiça criminal.
A Aplicação Indevida da Reincidência no Âmbito Disciplinar
No processo que defendemos, o embargante foi penalizado com uma censura pela OAB sob o argumento de reincidência. No entanto, a reincidência só pode ser aplicada em conformidade com o art. 108 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, que prevê a necessidade de comprovação de condenações anteriores transitadas em julgado.
No caso em questão, a OAB utilizou certidões que, isoladamente, não comprovam a reincidência de maneira adequada, pois não foram juntadas as peças processuais completas dos processos anteriores. Isso gerou uma violação ao princípio da ampla defesa, uma vez que o embargante não teve a oportunidade de contestar a validade ou o conteúdo dessas decisões anteriores.
O Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa na Esfera Criminal
Os princípios do contraditório e da ampla defesa, consagrados no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, são basilares em qualquer processo, seja ele civil, administrativo, ou criminal. No caso de processos penais, a violação desses princípios pode levar a graves injustiças, como a condenação de um réu com base em provas insuficientes ou sem que ele tenha tido a oportunidade de se defender adequadamente.
Na esfera criminal, o contraditório é aplicado em todas as fases do processo, garantindo que o acusado tenha conhecimento de todas as provas e alegações contra ele e que tenha a chance de contestá-las. Já a ampla defesa assegura que o réu possa apresentar todos os meios de defesa possíveis, sejam eles provas documentais, testemunhais, ou periciais.
Seja no processo ético-disciplinar da OAB, seja no processo criminal, a falta de transparência ou o uso de provas insuficientes, como meras certidões, pode configurar um cerceamento de defesa, o que torna a decisão passível de anulação.
Certidões de Trânsito em Julgado e sua Inadequação para Fundamentar a Reincidência
No recurso apresentado, argumentamos que a certidão de trânsito em julgado, sozinha, não é suficiente para justificar a aplicação da reincidência. A jurisprudência tanto no âmbito da OAB quanto na justiça comum é clara: certidões não são suficientes para comprovar a gravidade, a natureza da infração anterior ou se a condenação foi alterada em recurso ou revisão.
Jurisprudência na Esfera Criminal:
A jurisprudência sobre a insuficiência das certidões também se aplica à esfera criminal. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que:
“A simples certidão de trânsito em julgado, por si só, não fornece elementos suficientes para aplicação de agravantes como a reincidência, sendo necessário que as principais peças do processo anterior estejam nos autos” (STJ, HC 327.081/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior).
Essa decisão reflete a importância de garantir que todas as provas sejam apresentadas de forma completa. A condenação anterior deve ser totalmente examinada, e não apenas uma parte superficial (como uma certidão) utilizada como justificativa para agravar a pena.
O Desvio Inidôneo da Reincidência em Processos Penais:
Na esfera criminal, assim como na disciplinar, o uso inadequado da reincidência pode levar a um aumento desproporcional da pena. O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 61, inciso I, prevê a reincidência como circunstância agravante, mas sua aplicação deve ser baseada em decisões transitadas em julgado, devidamente comprovadas e documentadas.
No caso do Processo Disciplinar nº 529/2010, a reincidência foi fundamentada em uma decisão que já havia sido prescrita e revisada, o que viola o princípio da segurança jurídica. A jurisprudência do Conselho Federal da OAB, assim como do STJ, determina que processos prescritos não podem ser utilizados para justificar a reincidência, o que também se aplica aos processos criminais.
No campo criminal, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que:
“A condenação prescrita não pode ser utilizada para a caracterização da reincidência, sob pena de violação ao princípio da legalidade e da segurança jurídica” (STF, HC 106.156/RS, Rel. Min. Rosa Weber).
Portanto, o uso de condenações prescritas em processos criminais ou disciplinares é ilegal e gera nulidade na aplicação da reincidência.
Cerceamento de Defesa na Esfera Criminal
No âmbito criminal, o cerceamento de defesa pode ter consequências gravíssimas, levando até mesmo à condenação de inocentes. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, assegura o direito à ampla defesa, o que significa que o réu deve ter acesso a todas as provas que compõem o processo.
Se o réu ou advogado não tem acesso às decisões que fundamentam a reincidência ou outro agravante, isso configura um cerceamento, que fere diretamente o direito ao devido processo legal. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário, também reforça esses princípios no artigo 8º, estabelecendo que toda pessoa tem o direito de ser ouvida e de ter uma defesa adequada.
Jurisprudência no STF sobre Cerceamento de Defesa:
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou diversas vezes sobre a gravidade do cerceamento de defesa em processos criminais. Em um dos precedentes:
“O cerceamento de defesa constitui violação insanável ao devido processo legal, devendo o processo ser anulado quando o réu não teve oportunidade de contestar plenamente as provas ou agravantes utilizados contra ele” (STF, HC 105.813/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes).
Esse entendimento se aplica tanto ao campo criminal quanto ao disciplinar, e foi um dos pontos centrais no recurso que apresentamos, dado que o advogado não teve acesso aos processos completos que justificariam a reincidência.
A Conversão da Pena de Censura em Advertência e sua Relevância no Direito Penal
No recurso disciplinar apresentado pelo G. Carvalho Advocacia Criminal, pedimos a conversão da pena de censura em advertência em ofício reservado, nos termos do art. 36, §2º do Estatuto da Advocacia e da OAB. Esse pedido foi baseado na ausência de comprovação válida da reincidência.
Na esfera penal, um paralelo pode ser feito com a dosimetria da pena, onde a reincidência ou outras agravantes podem aumentar significativamente a sanção aplicada ao réu. No entanto, a aplicação de uma pena mais branda, quando não há prova suficiente para justificar o agravamento, está alinhada com o princípio da proporcionalidade, previsto no art. 59 do Código Penal Brasileiro.
Assim como no campo disciplinar, a jurisprudência no campo penal determina que o agravamento da pena só pode ocorrer quando há prova inequívoca de que o réu ou condenado realmente cometeu uma infração anterior e que essa infração se encontra em conformidade com os parâmetros legais de trânsito em julgado.
Conclusão: A Defesa da Justiça em Todas as Esferas
Tanto no âmbito disciplinar quanto na esfera criminal, o uso inadequado da reincidência pode levar a sanções desproporcionais, violando direitos fundamentais como o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal. No caso que defendemos na OAB, conseguimos demonstrar como a falta de transparência e a utilização de processos prescritos para justificar a reincidência geraram uma decisão injusta, passível de revisão.
Se você ou alguém que você conhece está enfrentando uma situação similar, seja no campo disciplinar ou no penal, entre em contato com o G. Carvalho Advocacia Criminal. Estamos preparados para lutar por seus direitos, garantindo que a justiça prevaleça, tanto nos tribunais quanto nos processos éticos. Nosso compromisso é com a transparência, a defesa técnica qualificada e a proteção dos direitos fundamentais de todos os nossos clientes.