Em meio às incertezas do campo, onde uma seca inesperada, uma geada fora de época ou a queda brusca no preço da saca podem comprometer todo um ciclo de produção, o produtor rural se vê, muitas vezes, em uma posição de vulnerabilidade perante as instituições financeiras. No momento de renegociar uma dívida, é comum que prevaleça a impressão de que qualquer acordo oferecido pelo banco é uma concessão, um “favor” a ser aceito de bom grado.
Essa percepção, no entanto, está fundamentalmente equivocada.
Quando se trata de crédito rural, o alongamento (ou renegociação) do prazo de pagamento da dívida não é uma liberalidade do gerente ou uma cortesia do banco. É um direito do produtor, claramente estabelecido em lei e consolidado pela jurisprudência dos nossos tribunais. Compreender essa premissa é a principal ferramenta de defesa e de negociação do agricultor.
A Base Legal: O Que Diz o Manual de Crédito Rural (MCR)
O pilar que sustenta este direito é o Manual de Crédito Rural (MCR), um compêndio de regras editado pelo Banco Central que todas as instituições financeiras que operam com crédito rural são obrigadas a seguir.
A seção MCR 2-6-9 é categórica ao determinar que as instituições financeiras devem prorrogar a dívida, ou seja, conceder o alongamento, sempre que a incapacidade de pagamento do produtor decorrer de fatores comprovados, como:
- Dificuldades na comercialização dos produtos;
- Frustração de safras, por fatores climáticos adversos;
- Queda expressiva e imprevisível dos preços de mercado.
A norma foi criada exatamente para proteger a atividade rural, reconhecendo suas particularidades e riscos. O objetivo do legislador foi garantir que um revés pontual não signifique o fim da linha para o produtor, permitindo que ele tenha o fôlego necessário para se reerguer e continuar produzindo.
A Condição Inegociável: A Manutenção dos Encargos Originais
Tão importante quanto o direito de renegociar o prazo é a condição sob a qual essa renegociação deve ocorrer. O mesmo MCR 2-6-9 estabelece que o alongamento deve ser formalizado “mantidos os mesmos encargos financeiros pactuados no instrumento de crédito”.
Isso significa que a taxa de juros, a periodicidade da capitalização e demais condições do contrato original devem ser integralmente preservadas. Se um produtor contratou um financiamento com juros subsidiados de 7% ao ano, o banco não pode, sob o pretexto de alongar a dívida, tentar impor uma nova taxa de 15% ao ano. A prorrogação do prazo não dá ao banco o direito de transformar um crédito rural incentivado em um empréstimo comum com taxas de mercado.
Qualquer tentativa do banco de impor novas e mais gravosas condições financeiras durante o alongamento é uma prática ilegal e pode ser contestada.
A Validação da Justiça: A Súmula 298 do STJ
Para reforçar ainda mais a força deste direito, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a mais alta corte do país para a interpretação da lei federal, editou a Súmula 298, que pacificou o entendimento sobre o tema. O texto é cristalino:
“O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei.”
Uma Súmula do STJ representa a posição consolidada do tribunal após julgar inúmeros casos sobre o mesmo assunto. Na prática, ela serve como uma diretriz para juízes e tribunais de todo o país. Com isso, não há mais espaço para interpretações divergentes: o alongamento é um direito subjetivo do produtor, desde que preenchidos os requisitos previstos no MCR.
Como o Produtor Deve Agir?
Ao se ver diante da necessidade de alongar sua dívida, o produtor deve adotar uma postura proativa e informada:
- Notifique o Banco Formalmente: Comunique a necessidade de prorrogação por escrito, apresentando os documentos que comprovam sua dificuldade (laudos técnicos sobre a quebra de safra, notas fiscais que demonstram a queda de preço, etc.).
- Fundamente seu Pedido: Na notificação, cite expressamente a normativa do MCR 2-6-9 e a Súmula 298 do STJ para demonstrar que você conhece seus direitos.
- Recuse a Repactuação Abusiva: Não assine “instrumentos de confissão de dívida” ou novos contratos que alterem as taxas de juros e os encargos originais. Insista que o alongamento seja feito por meio de um simples termo aditivo ao contrato original.
- Busque Ajuda Especializada: Caso o banco se recuse a cumprir a lei ou tente impor condições desfavoráveis, procure imediatamente um advogado especializado em Direito do Agronegócio para tomar as medidas cabíveis, que podem incluir desde uma negociação mais qualificada até uma ação judicial para forçar o cumprimento do seu direito.
Conclusão
A lei brasileira reconhece a importância estratégica do produtor rural e, por isso, criou mecanismos de proteção para sua atividade. O direito ao alongamento da dívida rural é o maior exemplo disso. Estar ciente de que esta prerrogativa não é um favor, mas uma imposição legal, muda completamente o equilíbrio de forças na mesa de negociação com o banco. O conhecimento é, e sempre será, a melhor ferramenta para garantir a defesa dos seus direitos e a perenidade do seu negócio no campo.