Juros Abusivos no Alongamento Rural: Como Identificar e Defender Seus Direitos

Sumário

O alongamento de dívidas rurais é um instrumento vital, previsto em lei, para garantir a estabilidade e a continuidade da atividade do produtor rural frente a imprevistos como frustrações de safra, quedas abruptas de preços ou outras dificuldades de comercialização. No entanto, o que deveria ser um direito assegurado, muitas vezes se transforma em um campo fértil para a imposição de condições ilegais por parte das instituições financeiras, com destaque para a cobrança de juros e encargos abusivos.

Compreender a mecânica por trás dessas práticas e conhecer os seus direitos é o primeiro passo para o produtor rural se proteger e garantir a sustentabilidade de seu negócio.

O Direito ao Alongamento da Dívida: Não é um Favor, é Lei

O ponto de partida é entender que o alongamento da dívida rural não é uma liberalidade ou um “favor” do banco. É um direito do produtor, estabelecido pelo Manual de Crédito Rural (MCR), o principal regulamento do setor, editado pelo Banco Central.

Conforme a seção 2-6-9 do MCR, o alongamento é obrigatório sempre que o produtor comprovar dificuldades para o pagamento em função de:

  • Dificuldades de comercialização dos produtos;
  • Frustração de safras por fatores adversos;
  • Eventuais ocorrências que prejudiquem o empreendimento.

Crucialmente, a norma determina que a renegociação deve ocorrer mantendo-se os mesmos encargos financeiros originalmente pactuados no contrato de crédito rural. É exatamente neste ponto que reside a principal ilegalidade praticada pelos bancos.

A Prática Abusiva Central: A “Metamorfose” do Contrato

A abusividade mais comum ocorre quando a instituição financeira, aproveitando-se da vulnerabilidade do produtor que precisa renegociar, impõe um novo contrato, geralmente sob o rótulo de “Instrumento de Confissão de Dívida”.

Nesse ato, o banco descaracteriza a natureza original do débito. A dívida, que era um Crédito Rural Subsidiado e protegido por regras específicas e juros controlados, é transformada em uma dívida comum de mercado, com taxas de juros e encargos muito mais elevados e livremente pactuados. Essa prática é ilegal, pois contraria frontalmente o que dispõe o Manual de Crédito Rural. O alongamento deveria ser apenas um aditivo ao contrato original, estendendo seu prazo, e não uma repactuação completa sob novas e piores condições.

Principais Abusividades a Serem Observadas

Além da troca do contrato, o produtor deve estar atento a cláusulas e práticas específicas que são consideradas abusivas no contexto do alongamento rural:

  1. Aumento da Taxa de Juros: Qualquer elevação da taxa de juros em relação àquela do contrato original é ilegal. Se o contrato original previa juros de 8% ao ano, o alongamento deve manter os mesmos 8%.
  2. Capitalização de Juros (Juros sobre Juros): Embora a capitalização seja permitida no crédito rural, ela deve seguir a periodicidade do contrato original. Muitas “Confissões de Dívida” impõem uma capitalização mensal, mais onerosa, quando o contrato original previa capitalização semestral ou anual.
  3. “Venda Casada”: É prática ilegal condicionar a aprovação do alongamento à contratação de outros produtos do banco, como seguros não obrigatórios, títulos de capitalização ou novos investimentos.
  4. Cobrança de Comissões e Tarifas Ilegais: A inclusão de “comissão de permanência” ou outras tarifas de renegociação que não estavam previstas no contrato original é vedada pelas normas do crédito rural.

O Que Diz a Justiça?

O Poder Judiciário, em especial o Superior Tribunal de Justiça (STJ), possui um entendimento consolidado de que as normas do Manual de Crédito Rural são de observância obrigatória pelas instituições financeiras. A Súmula 298 do STJ afirma que “O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei”.

Decisões em todo o país rotineiramente declaram a nulidade desses “Instrumentos de Confissão de Dívida”, determinando que a dívida seja recalculada com base nas condições originais do contrato de crédito rural, e condenando os bancos a devolver os valores pagos a mais pelo produtor.

Passos Práticos para o Produtor Rural

Se você suspeita que foi vítima de juros abusivos em um alongamento de dívida, siga estes passos:

  1. Reúna a Documentação: Tenha em mãos cópias de todos os contratos: o original do crédito rural e todos os aditivos e instrumentos de renegociação ou confissão de dívida.
  2. Procure Assessoria Jurídica Especializada: É fundamental contar com um advogado que tenha experiência em Direito do Agronegócio e em ações revisionais de contratos bancários. Ele saberá identificar as ilegalidades.
  3. Solicite uma Perícia Contábil: Um perito contábil ou economista poderá elaborar um laudo técnico que demonstre, com cálculos precisos, a diferença entre o valor que está sendo cobrado pelo banco e o valor que seria devido se as condições originais tivessem sido respeitadas.
  4. Busque a Ação Revisional: Caso uma negociação amigável não seja possível, a medida cabível é a Ação Revisional de Contrato Rural. Nela, o produtor pode pedir ao juiz que anule as cláusulas abusivas, recalcule a dívida e, em muitos casos, solicite uma liminar (“tutela de urgência”) para impedir que o banco inscreva seu nome em cadastros de inadimplentes ou execute a dívida enquanto o processo está em andamento.

Conclusão

O produtor rural é o motor de uma das principais atividades econômicas do país e a legislação lhe confere proteção especial. O conhecimento é a principal ferramenta para se defender de práticas abusivas. Ao entender que o alongamento da dívida é um direito e que as condições originais devem ser mantidas, o produtor pode questionar imposições ilegais e buscar a Justiça para garantir que pagará apenas o que é justo e legal.

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