Recuperações Judiciais no Agro Podem Bater Recorde com ‘Tarifaço’ dos EUA em 2025

Sumário

O agronegócio brasileiro, pilar da economia nacional, enfrenta em 2025 uma tempestade perfeita que ameaça levar os pedidos de recuperação judicial a um patamar histórico. Uma combinação tóxica de endividamento recorde, custos de produção elevados e eventos climáticos adversos já vinha fragilizando a saúde financeira dos produtores rurais desde 2024. A imposição de tarifas pesadas pelos Estados Unidos, que entrou em pleno vigor no segundo semestre, atua agora como o catalisador que pode empurrar milhares de empresas e produtores para a insolvência, redefinindo o cenário de risco no campo.

O ano de 2025 já se desenhava desafiador para o setor agrícola muito antes da intensificação das disputas comerciais. Dados da Serasa Experian e do Monitor RGF de Recuperação Judicial pintaram um quadro alarmante no primeiro semestre. Após um salto de 138% nos pedidos em 2024, o primeiro trimestre de 2025 registrou 389 novas solicitações de recuperação judicial no agro, um aumento de 44,6% em relação ao mesmo período do ano anterior. O cenário se agravou no segundo trimestre, quando o Brasil atingiu o número recorde de 4.965 empresas em recuperação judicial em todos os setores, com a agropecuária despontando como a mais pressionada, exibindo o maior índice de insolvência por mil empresas ativas.

A raiz dessa crise preexistente é um endividamento que já ultrapassa a marca de R$ 1,2 trilhão, segundo levantamentos de consultorias especializadas no início de setembro de 2025. Esse montante, que engloba dívidas bancárias, títulos de crédito e compromissos com fornecedores, reflete uma série de decisões de investimento tomadas em um cenário de juros mais baixos e preços de commodities elevados, que se reverteu drasticamente.

Analistas apontam uma confluência de fatores para essa escalada da insolvência. Em primeiro lugar, a alta dos juros no Brasil tornou o crédito mais caro e a rolagem de dívidas uma operação complexa e custosa. Somam-se a isso os custos crescentes de insumos, como fertilizantes e defensivos, dolarizados e suscetíveis à volatilidade cambial. Por fim, os eventos climáticos extremos, com secas severas no Centro-Oeste e enchentes no Sul do país, frustraram safras e comprometeram a geração de caixa de inúmeros produtores, erodindo a capacidade de pagamento e tornando a recuperação judicial a única saída viável para muitos.

O ‘Tarifaço’ Americano: Um Choque Externo de Grande Magnitude

Foi sobre este terreno já minado que a nova política comercial da administração norte-americana incidiu com força. Em meados de 2025, o governo dos Estados Unidos, invocando a Seção 301 da sua Lei Comercial, formalizou a aplicação de um “tarifaço”, um conjunto de sobretaxas que atingiu em cheio as exportações brasileiras. A medida foi justificada por uma investigação do Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR) sobre o que foram classificadas como “práticas comerciais injustas” por parte do Brasil.

As justificativas oficiais de Washington, detalhadas em comunicados da Casa Branca e do USTR, incluíram a alegação de que o Brasil concedia tarifas preferenciais a outros parceiros comerciais em detrimento dos produtos americanos, barreiras no acesso ao mercado de etanol, questões relacionadas à proteção de propriedade intelectual e até mesmo a fiscalização ambiental. O resultado foi a imposição de uma tarifa inicial de 10% sobre uma vasta gama de produtos, seguida por uma sobretaxa adicional que elevou a alíquota para até 50% para itens considerados estratégicos e sensíveis para a indústria e o agronegócio americano.

O impacto foi imediato e cirúrgico, mirando alguns dos produtos mais relevantes da pauta de exportação agrícola brasileira para os EUA, que em 2024 representaram um mercado de aproximadamente US$ 12,1 bilhões. A lista de alvos incluiu:

  • Carne Bovina: Um dos setores mais atingidos, vendo sua competitividade despencar da noite para o dia. A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) projetou perdas que poderiam chegar a US$ 1 bilhão.
  • Café: O Brasil, principal fornecedor de café para os Estados Unidos, viu o produto ser taxado, ameaçando uma década de crescimento e investimentos em qualidade que haviam consolidado a marca do café brasileiro no mercado americano.
  • Suco de Laranja: Embora algumas negociações tenham ocorrido, o suco de laranja brasileiro, que domina a importação americana, também entrou na mira, gerando forte apreensão no setor citrícola.
  • Açúcar e Etanol: Produtos que vinham em uma trajetória de recuperação no mercado norte-americano foram severamente impactados, freando perspectivas de crescimento.
  • Madeira e Celulose: Apesar de algumas isenções posteriores para a celulose, produtos de madeira processada foram fortemente tarifados, afetando uma cadeia produtiva importante.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estimou um impacto global potencial das tarifas na ordem de US$ 5,8 bilhões em perdas de receita para o agronegócio brasileiro, um golpe devastador para um setor que já operava com margens apertadas.

Da Perda de Receita à Ruptura do Caixa: O Caminho para a Recuperação Judicial

O mecanismo pelo qual as tarifas se convertem em pedidos de recuperação judicial é direto e implacável. Para o produtor rural, especialmente aquele com alta dependência do mercado de exportação, a tarifa de 50% significa, na prática, o fechamento do mercado americano. Com a sobretaxa, o produto brasileiro se torna inviável para o importador, que busca fornecedores alternativos em países não afetados pelas medidas.

Isso desencadeia uma reação em cadeia:

  1. Queda Drástica de Receita: As vendas para um dos maiores mercados consumidores do mundo são interrompidas ou drasticamente reduzidas. Empresas que tinham nos EUA seu principal destino de exportação veem seu faturamento despencar.
  2. Pressão sobre o Mercado Interno: O excedente de produção que não pode ser exportado é despejado no mercado doméstico. O aumento da oferta interna pressiona os preços para baixo, afetando a rentabilidade de todos os produtores, inclusive aqueles que não exportavam diretamente para os EUA.
  3. Ruptura do Fluxo de Caixa: Com a receita em queda e os custos de produção ainda elevados, o fluxo de caixa das empresas rurais é o primeiro a sofrer. Pagamentos a fornecedores, parcelas de financiamentos de máquinas e compromissos com a folha de pagamento ficam comprometidos.
  4. Agravamento do Endividamento: Para o produtor que já estava endividado, a situação se torna insustentável. Sem a receita esperada da exportação, a capacidade de honrar as dívidas desaparece, e a inadimplência cresce.
  5. Restrição de Crédito: O aumento do risco no setor leva a uma postura mais restritiva por parte de bancos e credores. A obtenção de novo crédito para custeio da próxima safra ou para capital de giro se torna mais difícil e cara, fechando o ciclo que leva à insolvência.

Especialistas de consultorias como o Insper Agro Global e escritórios de advocacia especializados em reestruturação empresarial foram unânimes em seus prognósticos desde agosto de 2025: as tarifas funcionariam como a “gota d’água”. Para milhares de produtores que já estavam no limite de sua capacidade financeira, o choque de receita causado pelo fechamento do mercado americano seria o empurrão final para o abismo da recuperação judicial.

2025: O Ano do Recorde Anunciado

Embora os dados consolidados do terceiro trimestre de 2025 ainda estejam sendo compilados por instituições como a Serasa Experian, os indicativos e análises setoriais de agosto e setembro já apontam para uma nova e intensa onda de pedidos de recuperação judicial. Fontes do setor jurídico e consultorias financeiras relatam um aumento significativo nas consultas e na preparação de processos de RJ por parte de produtores rurais nos estados mais afetados, como Mato Grosso, Goiás, São Paulo e Minas Gerais.

A narrativa que se consolida é que 2025 será lembrado não apenas pelo recorde de recuperações judiciais estabelecido no primeiro semestre, mas pelo agravamento sem precedentes desta crise na segunda metade do ano. O “tarifaço” dos EUA não criou a crise, mas a amplificou de forma exponencial. Ele expôs a vulnerabilidade de um setor altamente dependente de poucos mercados e sujeito a choques geopolíticos.

Em conclusão, o recorde iminente de recuperações judiciais no agronegócio brasileiro em 2025 é o sintoma febril de uma enfermidade complexa. A crise tem raízes profundas no endividamento estrutural e nos desafios internos de custo e clima. Contudo, foi a febre imposta pelo protecionismo americano que elevou a temperatura a um nível crítico, ameaçando a sobrevivência de uma parcela significativa de produtores e empresas que formam a espinha dorsal da economia brasileira. O desafio para o futuro será não apenas renegociar dívidas, mas repensar estratégias, diversificar mercados e construir mecanismos de proteção que blindem o agronegócio de tempestades, sejam elas climáticas ou comerciais.

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